Os cães veem o mundo de forma completamente diferente de nós, reagem aos estímulos de acordo com seu repertório de comportamentos naturais da espécies: latir, morder, cavar, pular, cheirar…O que para nós são comportamentos indesejados e vistos como negativos.

Não que não sejam de fato ruins quando em desequilíbrio, mas e seus sinais? E seus significados? Porque acontecem, para além do que vemos como indesejado? 

 
A falta da rotina de qualidade

Todo drama começa a se desenrolar com as falhas de rotina de Lady, a linda Cocker Spaniel da família. A vinda de um novo integrante geram mudanças óbvias para nós, mas impossíveis de serem compreendidas pelos cães.

A cena dela com a guia na boca representa a ruptura das atividades essenciais a ela.

A falta de entendimento dos seus comportamentos

Lady na intenção de estar com a tutora, pula em seu colo e quase derruba um vaso caríssimo. A pobre cachorrinha que já estava estressada com toda a situação de desatenção da família, recebe uma bronca “bad dog!” e foi taxada como uma cachorra levada por simplesmente estar tentando entrar em contato com seu afeto.

Seu excesso de energia e ansiedade por todo contexto a levou a executar um comportamento efusivo e, como acontece na maioria dos casos, só vemos o erro e não vemos as causas.

 
E bem nesse momento, a mulher que conversa com a tutora diz que ela “precisava ser treinada.” dando ao treinamento uma característica superficial, como “conserto de cães”, o que relata de fato a percepção das pessoas sobre a função do treino.

 
Por essa falha de entendimento sobre seus comportamentos, como sinais das falhas na rotina e nas mudanças que aconteciam na família, ela deixara de ser “boazinha”.

Fica a provocação: quantos comportamentos reclamamos e culpamos nossos cães, sem olhar pela perspectiva deles? 90% dos casos que atendo vem de falhas básicas nessa compreensão sobre eles.

 
A punição e seus efeitos colaterais

A bronca que a Lady recebe ao ser considerada uma cachorra levada a deixa com sinais claros de tristeza. E a “fala” seguinte da cachorra é: “Cachorra levada? O que eu fiz de errado?”

Nenhuma bronca deixa claro pro cão o que não é certo, só deixa claro que ele não está sendo compreendido.

Gera medo, insegurança e falhas no relacionamento.

Quando seus tutores viajam e deixam a Lady aos cuidados de uma mulher nada amigável, ela fica agitada por conta da presença dos gatos e foi, mais uma vez, vista como culpada pela bagunça.

A babá querendo “consertar” Lady busca ajuda de equipamentos e ferramentas de controle, sem nem ao menos pensar no ponto de vista do cão, do que será que está faltando a ela e o que está desencadeando sua agitação.

Inclusive o vendedor do Pet Shop indica um brinquedo de morder, o que faz dele uma pessoa minimamente empática a respeito da situação de Lady, buscando oferecer o que realmente ela parece precisar e tudo que a humana diz é “Você acha mesmo que ela merece ser recompensada?!”, mais uma vez culpando a cachorra e tornando-a não merecedora de reforços e recursos de prazer e bem estar.

Punindo-a por seus comportamentos naturais, incompreendidos por conta de sua série de falhas que acarretaram no desequilíbrio e ainda ampliando o stress da Lady pela presença dos métodos negativos de correção e “controle”.

 
Fácil culpabilizar, difícil compreender.

Isso poderia ser só um relato do filme, mas são relatos diários que recebo pela falha na nossa visão sobre os cães, ainda cheia de mitos, os colocando em uma situação conflituosa e negativa, sem buscarmos a compreensão sobre suas necessidades e sobre sua qualidade de vida e bem estar, ainda justificando broncas, punições, trancos com enforcador, borrifada na cara, sustos com barulhos, coleiras eletrônicas e mais uma série de medidas de “controle” altamente negativas, mas que são vistas como eficientes por seu alto potencial de gerar medo, insegurança e até ampliar reatividade e agressividade.

 
Tanto que no momento seguinte do filme, ao tentar forçar a colocação do equipamento na Lady, ela fica reativa e foge.

 
Harmonia Familiar

“When the baby moves in, the dog moves out” (traduzindo: quando o bebê chega, o cachorro sai), essa foi a explicação do vira lata Vagabundo que ficou marcada como o grande motivo da mudança da relação da família com a cachorra Lady. Nós bem sabemos que não precisa e não deve ser assim.

Que as mudanças virão com a vinda de bebês na família, isso é fato. Que a rotina ficará diferente, obviamente. Mas isso não deve significar esquecer de um membro que já é parte dela também: o cão e, muito menos, que as necessidades dele serão renegadas, pois elas não deixarão de ser menos essenciais por conta das mudanças.

Tenho orgulho em atender muitas famílias com recém nascidos e ver o sucesso na adaptação de todos na vinda do bebê e na manutenção da qualidade de vida do cão. Inclusive no processo de treinamento e na construção de vínculo por meio das experiências positivas entre a criança e o cão.

Cada fase de desenvolvimento da criança irá pedir um cuidado nosso durante o processo: quando começam a engatinhar, quando começam a puxar e apertar os cães, a chorar e gritar, correr etc. Comportamentos naturais das crianças que, também de forma natural, há o estranhamento dos cães, principalmente com as interações indesejadas cheias de apertos desagradáveis. Cabe a nós, como adultos responsáveis por ambos, a gerenciar e não permitir nada que não seja 100% positivo para eles.

 
A Harmonia Familiar é resultado da dedicação diária ao bem estar de todos, tanto que no retorno de Lady à família, após seu resgate do Canil, a relação é totalmente outra: os seus tutores fazem questão de aproximá-la do bebê e de dar atenção à Lady como merece.

Como a própria cachorra concluí: “não sou mais o centro do Universo deles, mas nosso Universo cresceu”. Dando um sentido positivo à vinda da criança.

 
A nossa responsabilidade sobre os cães

Nem é preciso dizer que não cuidar da saúde comportamental dos nossos cães é como deixar um problema se agravar e se torna até perigoso e acabam por resolver seus problemas da maneira  mais egoísta possível: abandonando os cães.

A maioria dos casos de cães abandonados se dá por problemas de comportamento, incluindo o número de cães sacrificados por terem comportamentos agressivos.

Eu extrapolo esse tópico para além da nossa responsabilidade com a saúde comportamental dos nossos cães, mas para também nossa responsabilidade social: a adoção. Temos cães por amor e afeto e não é a raça ou a beleza física de um cão que impossibilita acessar tais sentimentos, pelo contrário: um cão adotado é um cão eternamente grato pela oportunidade de saber o que é ter um lar.

Me sinto aqui convidada a influenciar e incentivar as adoções. Sempre tive cães adotados e resgatados, assim como a Bibi que está comigo. Eu sinto e sei tudo que esse amor traz e todas as sensações de paz que me trouxe ver as cenas do filme e saber que tenho comigo quem poderia estar hoje na situação de muitos: condenada a viver confinada, sem casa.

Enfim, são muitas lições para nós, amantes de cães e incansáveis por melhorar sua vida conosco!